- Sr. Belizário, já vou indo está bem? - Informou Clarisse, minha secretária. - O Sr. vai embora junto comigo?
- Não. Tenho que terminar esse relatório o mais rápido possível!
- Mas amanhã é seu dia de folga Senhor.
- Por isso mesmo! Tenho que terminar antes que o Emerson pise no escritório de manhã!
- Você tem trabalhado muito ultimamente. Todo dia hora extra, trabalha nos finais de semana... Realmente Sr. Belizário... Estou muito preocupada!
Balancei a cabeça dirigi minha atenção ao computador.
Clarisse se despediu antes de sair da sala:
- Até segunda!
- Até... - Respondi ainda com os olhos vidrados no monitor.
Depois da saída de Clarisse, o ambiente ficou incomodamente silencioso. Eu trabalhava na penumbra, tinha apenas uma fraca iluminação do abajur.
O escritório de advocacia Ernesto Barbosa, defende casos de violência à mulher, idosos e crianças.
O caso que venho trabalhando atualmente, é sobre uma denúncia de que um senador agredia sua esposa. Se fosse confirmado, o tal senador poderia pegar de 2 a 3 anos na cadeia.
Passaram-se duas horas desde que fiquei sozinho no escritório mergulhado no trabalho. Quando finalmente terminei, bocegei me alongando e olhei para meu meu relógio.
"4:00, putz... Líggia vai deve estar preocupadíssima", pensei.
Botei meu casaco e peguei as chaves do carro enquanto o computador desligava. O abajur começou a falhar até apagar por completo. A sala ficou completamente escura.
" Perfeito! Agora tenho que tatear as paredes até a saída", ironizei comigo mesmo. Nesse momento escutei um barulho muito estranho. Parecia que algum objeto tinha se quebrado. Decidi averiguar.
Escutei passos pesados e cochichos. Fui seguindo o barulho pelo corredor, da forma mais silenciosa possível me orientando pela parede. O cochicho se tornou uma conversa e a medida que as palavras tomavam forma eu ficava mais apreensivo. Percebi uma luz da última sala no final do corredor. Passei por mais 3 portas e a luz já estava mais forte, porém variava de intensidade.
Ao chegar na última porta fui surpreendido com a luz diretamente no meu rosto. Coloquei a mão na frente da luz e perguntei vorazmente:
- Quem está aí?
Como resposta uma forte explosão me atirou ao chão desmaiado. Quando despertei, muito confuso, notei que já era de manhã.
Senti um amargo cheiro de ferrugem. Fora a isso, aparentemente, tudo estava no lugar. Me sentia muito estranho ao tentar lembrar da noite passada.
"Será que foi um sonho? O que realmente aconteceu? Devo estar trabalhando demais", pensei.
Saí do escritório e fui depressa ver meus filhos e minha mulher que deviam estar muito preocupados. "Já deve estar na hora de levá-los para escola"
Chegando em casa, abri a porta e vi minha mulher de costas falando ao telefone. O choro a fazia tropeçar nas palavras:
- Então ele não voltou com você?... Mas você não... Sim!... Exato! É justamente por isso que eu te liguei! Mas ele não chegou! Isso... Obrigada... Tá... Tchau.
Líggia desligou o telefone, se virou. Estava descabelada como quem não tivesse dormido. Estava olhando pro chão desamparada, mas ao levantar a cabeça me fitou com olhos eufóricos e avermelhados. Ela sorriu por um instante, mas ficou séria repentinamente. Sentou-se no sofá, cobriu o rosto com as mãos e se pôs a chorar bem baixinho, como se quisesse segurar as lágrimas. Soluçando, lamentou:
- Eu disse que não deveríamos ter vindo pra São Paulo, é uma cidade muito perigosa!
Me sentei ao seu lado a envolvi em meus braços:
- Querida, me desculpe! Isso nunca mais vai se repetir! Eu cai no sono, mas estou bem, não é culpa da cidade, a culpa é minha. Eu sempre trabalhei demais, mas prometo que vou pegar mais leve. E as crianças, você as levou pra escola?
Líggia calou seus prantos, mas fingia ainda não me escutar e não me respondeu. As vezes o silêncio diz mais que mil palavras.
- Eu sei que hoje era meu dia de levar as crianças pro colégio... Mas acontece!
Eu me senti mal por ter causado tanta preocupação e ter falhado em uma das minhas responsabilidades. Líggia sofre de ansiedade e tem problemas em dirigir em horário de rush.
Me levantei e fui tomar um banho para relaxar e pensar numa maneira de recompensar minha mulher. Passei pelo quarto dos meus filhos e a porta estava aberta, vi suas camas ainda bagunçadas e vazias. "As crianças devem ter perguntado para a mãe sobre mim e ela não sabia o que dizer... Provavelmente inventou alguma coisa para acalmá-los."
Enquanto me vestia sentado na cama, olhei para o relógio da cabeceira. Meus olhos embaçaram, esfreguei com o punho, mas mesmo assim não pude ver as horas.
Pensei que Liggia devia estar mais calma. Eu estava na cozinha bebendo um café e perguntei alto, para que ela escutasse da sala:
- Podemos almoçar fora hoje o que acha? Todos juntos, posso buscar as crianças e te encontrar no japa aqui da esquina.
- Não! - Respondeu Líggia da sala.
- Não? Mas você adora aquele restaurante...
- Não! Não! Não! Não! - Repetia agora freneticamente. Fui até a sala em pulos, muito assustado com a reação de minha mulher. Vi o telefone caindo no chão e balançando pendurado pelo fio.
- Não é possível! Não pode ser! - Líggia continuou gritando andando em círculos.
- O que foi? - Perguntei exaltado. Sabia que algo mais tinha acontecido, algo que ela não queria me dizer.
- Liggía! Aconteceu algo com as crianças? Eu exigo que você me explique agora o que esta acontecendo nesta casa! - Insisti. - Está agindo feito louca! - Aguardei um instante para ver sua reação, sabia que poderia ficar ofendida com o que disse. Ela odeia ser chamada de louca.
Inesperadamente, saiu correndo de casa foi para a garagem e entrou no carro. A segui e bati no vidro, pedindo que tivesse calma para conversarmos. Ela olhou pra mim, com um olhar perdido. Achei que tinha ouvido a voz da razão.
- Querida... saia do carro... - Eu comecei a rir da situação e fechei os olhos por um instante balançando a cabeça. Fui surpreendido com a ignição do carro e com uma arrancada Líggia saiu de ré pela garagem.
Eu estava em choque, peguei minhas chaves entrei no meu carro e fui atrás dela, já estava puto com toda essa situação! Alcancei seu carro e a acompanhava pelas ruas da avenida Paulista. Tentava lembrar dos conselhos que nosso terapeuta havia me dado na última consulta, sobre as crises de ansiedade de Líggia mas nada me vinha a cabeça, nunca tinham sido tão extremas. Procurei o cartão do doutor Tuckman na carteira e tentei ligar para ele, mas caia na caixa de mensagem. A segui de carro por mais 15 minutos. Pensei que estivesse seguindo para o colégio dos meninos, mas me surpreendi ao perceber que estávamos a caminho do prédio do meu escritório.
"A última coisa que quero hoje é voltar ao lugar onde trabalho no meu dia de folga!", resmungava.
Ao descer do carro, corri para alcança-lá e pegamos o elevador juntos.
Ela ficou calada e muito séria, eu não soube o que dizer, estava muito confuso. Eu esperava que chegando ao nosso andar, Líggia veria o escritório fechado e cairia na real.
Sentia um frio na barriga que aumentava a medida que o elevador subia.
Saindo do elevador, fiquei surpreso ao ver a porta aberta do meu escritório e caminhamos pelo longo corredor. Suspeitei que pudesse ser dia de fachina.
Imaginava que ela fosse entrar na minha sala, mas Líggia passou direto. Eu estava logo atrás dela, bastante curioso para saber até onde isso ia chegar. Notei certa movimentação na última sala. Sentia uma forte dor de cabeça enquanto flashs da noite passada vinham na minha mente.
Ao chegar lá, vi vários policiais e Clarisse, minha secretária. Todos de cabeça baixa, melancólicos. Um dos policiais falou pelo radio com uma voz ríspida:
-Isso, encontramos o corpo. Parece que foi vítima dos bandidos que invadiram o escritório noite passada. Câmbio.
Olhei ao redor da sala toda bagunçada, papéis espalhados pelo chão junto a cacos de vidro e com as paredes sujas de sangue.
Abaixei a cabeça e levei um susto! Vi um homem, com o peito arrebentado por uma bala, deitado sobre uma imensa poça de sangue que chegava até meus pés.
"Meu Deus! Pobre homem!", pensei abalado. "Dona Ivete não vai gostar nem um pouco de limpar essa sujeira..."
Erik Schnabel