quinta-feira, 29 de novembro de 2012

"Um coração puro"





Nesse dia eu cheguei atrasado no colégio. A aula já tinha começado, mas o porteiro me deixou subir, disse pra eu ir correndo para a sala.
Não tinha ninguém lá e a porta estava trancada. Uma funcionária passava pelo corredor. Perguntei a ela aonde minha turma tinha ido. Ela me disse que os viu descendo para a capela. Lembrei que a primeira aula era de ensino religioso. 
Meu colégio era católico, a diretora era uma freira. No entando, ao contrário do que muitos pensam, na aula de ensino religioso não ficávamos só estudando a bíblia, aprendendo sobre a vida de Jesus e etc. Era na verdade bem interesante. Sempre tinha uma reflexão que extrapolava o campo religioso e entrava no nosso cotidiano, passando por análises sobre a conduta moral e ética da sociedade. Eu até estranhei o professor levar a turma para a capela, não costumávamos fazer isso. Pelo menos eu nunca tinha ido lá.
A capela era em um prédio do lado de fora do colégio, perto de onde as freiras moravam. Chegando lá, vi a turma toda sentada nos banquinhos e o professor de pé, onde geralmente fica o padre. 
Ele me entregou um papel e pediu para que eu me sentasse. Estava explicando sobre a parábola bíblica que nos entregou para ler e sobre a dinâmica que costumava fazer quando ainda era um seminarista. 
Aquele era um momento para ler o papel e refletir sobre sua mensagem sozinho. O que o professor chamava de "deserto". Poderíamos fazer essa reflexão circulando pela capela ou por alguns outros ambientes. Ali perto havia um corredor que passava por uma sala que tinha um jardim interno. Mas não era permitido adentrar mais, pois ali eram os aposentos das freiras que praticavam um tipo especial de retiro. 
 A passagem bíblica contava que quando chegar no fim dos tempos, Deus irá separar o joio do trigo, as ovelhas dos cabritos, os bons seriam recebidos ao reinos dos céus e os pecadores punidos no fogo do inferno. 
Os pecadores perguntaram o que tinham feito de ruim para serem punidos dessa forma. Deus respondeu que toda vez que negaram comida aos que tinham fome, agua a quem tinha sede e abrigo a algum estrangeiro deixaram Deus em pessoa com fome, sede e ao relento.
Os bons também confusos, perguntaram o que tinham feito para merecerem ir ao reino dos céus. E Deus respondeu que toda vez que ofereceram água a quem tinha sede, comida aos que tinham fome e abrigo a algum estrangeiro fizeram isso tudo por Deus em pessoa.
Depois de ler, fui dar uma volta. Passei por uma estátua de Jesus. Era uma imagem forte. Fiquei analisando seus cabelos louros, sua expressão e seus olhos azuis, que olhavam fixamente para mim.
Me veio a ideia de que Jesus, provavelmente, não teve esses mesmos traços e aparência, devido as suas origens e o lugar onde teria vivido.
Direcionei uma pergunta a estátua: "O que quer de mim?". Ela não pareceu responder. Continuou ali parada do mesmo jeito. Olhando para mim com o mesmo olhar que não me parecia transmitir nada.
Nesse momento uma freira passou por mim me dando bom dia. Ela não estava com aquele vestuário característico. Tinha cabelos brancos, era baixinha e usava óculos. Estava com uma certa dificuldade para andar, provavelmente devido a sua idade avançada. Mas estava toda animada e parecia que tinha muitas coisas para resolver.
Voltei minha atenção a imagem, olhando dos pés a cabeça. Suas mãos estavam perfuradas. Uma delas fazia um gesto que mais parecia apontar para cima. A outra mão apontava para o peito. Seu coração estava saltado para fora e ardia em fogo. Raios de luz emanavam dele como se fosse o que há de mais importante. Tive então, uma revelação. A resposta para o meu questionamento: "Um coração bom".
Continuei caminhando pelo corredor, fui dar uma última olhada naquele jardim interno e passei pelos meus colegas. Cada um ocupado com sua reflexão. O professor logo chamou os alunos de volta, para se reunirem e compartilharem suas experiências.
Eu contei o que aquela dinâmica me proporcionou e o professor, pareceu ter gostado da minha história.
Mais tarde no colégio, o professor disse que a diretora estava me procurando. Ele me levou até a sala dela e bateu na porta. Quando ela abriu ele discretamente disse algo em seu ouvido e foi embora. No fim das contas ela queria só me dar os parabéns. Porque meu aniversário tinha sido no dia anterior, no domingo. Mas também perguntou sobre minha essa história que o professor havia comentado.
Disse que não sabia muito bem do que ele estava falando, mas contei aconteceu na capela mais cedo. Provavelmente devia ser sobre isso.
Ela arregalou os olhos, e perguntou se eu ia mergulhar de cabeça nisso mesmo. Queria saber se eu ia me converter ao catolicismo ou alguma coisa do tipo. Tentei explicar que, na verdade, a experiência que tive me fez perceber que, independentemente da religião, de todas as formalidades e exigências, o mais importante é manter seu coração puro, enquanto passamos pelas provas da vida.
Ela disse que tinha uma coisa para mim, se virou e abriu uma caixa de papelão. Pegou um pacote e me entregou. Disse que não era pra contar a ninguem, porque ela não costumava dar presentes a nenhum aluno. Era apenas um porta cd's com a marca do colégio. Mas nada mal pra quem antes só entrava na sala do diretor para receber suspensões e advertências nos antigos colégios. Posso dizer que esse foi um ano de muitas superações.

Erik Schnabel